segunda-feira, 19 de junho de 2006

Reportagem de hoje, do L!

Dia de festa na Febem (ou Vitória da felicidade!)

Daniel Santini

- Viu, falei que ia ser 2 a 0 – comemora o número 20.

- O Parreira achou o ataque. O que mata a Seleção é o Ronaldo! – responde o número 16.

O diálogo marca o fim da vitória de 2 a 0 do Brasil contra a Austrália,vista pela TV pelos 85 adolescentes da Unidade Interna 16 do ComplexoTatuapé da Febem, ou UI-16 mesmo, como vem estampado nas roupas dosjovens, ao lado do número que identifica cada um.

Não que o 20 ou o 16* tenham visto a partida muito bem. Para quem estavasentado no fundo do pátio, longe da TV de 14 polegadas, a única daunidade, o Fred parecia o Cicinho, o reflexo da luz do sol escondia parte da tela, a voz do Galvão Bueno era só um murmúrio.

O L! acompanhou o jogo em uma das unidades mais tranqüilas da Febem. AUI-16 está fora do “circuito grave”, que é como são conhecidas as seis unidades mais barras-pesadas do Complexo Tatuapé, na Zona Leste de SãoPaulo, e onde aconteceram rebeliões anteontem.

- Eles têm suas próprias leis e normas, é um mundo paralelo. Não dá paraignorar isso. A gente tem que viver com eles, não adianta simplesmenteimpor outra realidade – ensina Marcos Dalmar Barbosa, 37 anos, o Marquinhos, coordenador da UI-16, satisfeito com o entusiasmo geral como jogo.

- O esporte é a forma de atingir eles com mais velocidade. No futebolnão tem feio, bonito, forte, fraco, não existe preconceito. Ajuda muito na reabilitação – defende.

Mesmo com a TV pequena, com o sinal da antena variando e deixando a tela preta e branca no primeiro tempo e toda ondulada no segundo, a maioria parou tudo para assistir à Seleção.

– Nossa, olha essa chuteira! E a gente aqui de chinelo – lamentou um dosque se misturavam no pátio. Todos os menores têm a cabeça raspada e sãoobrigados a usar uniformes numerados. Acusados de tráfico, roubos e crimes mais pesados se revelam adolescentes vendo o jogo.

– Pedala, Robinho! – lança um deles com um tapa na careca de um colega ao ver o camisa 23 de Parreira, para, em seguida, se esconder atrás deuma pilastra. Tudo como se fosse uma sala de aula. O contato é constante. Os adolescentes se abraçam e se apoiam um no outro sem constrangimento. Como bons amigos.

- Gol? Quem gritou gol antes? Tá tirando, mano? Dá azar – reclama um ao ver mais um ataque frustrado no irritante primeiro tempo.

É dia de visita, mas poucos pais acompanham a partida. Sebastião Aires, cujo filho foi preso por roubar um celular, deixa Jacareí (a cerca de70km) todo fim de semana para ver seu menino de 16 anos. E o jogo?

- Não dá para ver não, mas tudo bem. A primeira fase não é importante. Eeu faço questão de vir para mostrar que me importo. Ele foi influenciado, por isso está aqui.

Metade dos entrevistados sonha em ganhar a vida jogando bola. Todos fumam. Na unidade, dá até aflição ver os adolescentes acenderem um cigarro atrás do outro.

– É o veneno de ficar aqui, a gente precisa fumar, é muito estresse –tenta justificar o menor, que passou o dia fora disputando uma corrida de dez mil quilômetros em Atibaia, interior de São Paulo.

O primeiro gol, o de Adriano, sai e não demora para vir da favela Nelson Cruz, vizinha ao prédio, um cheiro delicioso de carne. Todos já almoçaram, mas a imagem de um bom churrasco agita o grupo.

- O Brasil está ganhando, cerveja por minha conta – brinca um deles. Quando vem o gol de Fred, festa geral. Os fogos da vizinhança também mexem com a distinta platéia.

- Escutou esse? Foram três seguidos. Isso é tiro, não é rojão, não.

*Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, nem nomes nemimagens que identifiquem menores foram divulgadas.

Nenhum comentário: