quarta-feira, 28 de junho de 2006

Esta é uma das reportagens mais gostosas que li sobre futebol. Foi feita por Diogo Monteiro e está publicada na Revista RAIZ. de junho de 2006. É uma revista nova, só tem 5 edições até agora e tem sido uma de minhas melhores leituras mensais. As fotos são belíssimas, o conteúdo interessante e as reportagens super bem escritas. Quem quiser saber mais sobre a RAIZ.: www.revistaraiz.com.br e quem puder, vale a pena comprar essa última edição e ler essa matéria com suas ilustrações. A propaganda aqui é gratuita.

As razões do futebol

(ou como explicar o que sinto quando me abraço aos prantos com um total desconhecido)

Diogo Monteiro

ÀS VEZES, você é levado a questionar sua fé, pouco importa quão grande ela seja. No meu caso, isso aconteceu quando recebi a ligação da RAIZ. É tempo de Copa do Mundo, e eles queriam uma matéria, diziam, que tivesse por tema a seguinte pergunta: "Por que o futebol?". Por que cargas d’água, dentre todas as outras modalidades esportivas – o vôlei, o basquete, o tênis, o remo, a bocha, o par-ou-ímpar -, foi logo o futebol tornar-se essa paixão brasileira, um símbolo nacional, tanto quanto o ipê, o samba e o caixa dois. Argumentei que a resposta era óbvia. O futebol domina tantas mentes, pés e corações porque é a melhor coisa inventada pelo homem. Simples assim. Quem já gritou "gol" num estádio, abraçado aos prantos a um sujeito nunca dantes visto na vida, não tem a menor dúvida disso. Não se questiona porque Deus criou o mundo em sete dias e não em uma hora, ou um ano. Porque ELE quis assim. Pronto! Mas esse pessoal da RAIZ. parece não ser muito chegado numa bola. Disseram que a resposta não era muito satisfatória e que, caso eu não topasse, passariam a matéria para outro. "Não. Me dá que eu mesmo faço." Vai que colocavam a pauta na mão de alguém que não entende patavinas de futebol. Hereges!

PELO PRINCÍPIO: eu entendia de futebol, realmente? Eu sabia que ele tem o seu batismo brasileiro oficial quando Charles Miller, paulistano do Brás que tinha ido estudar na Inglaterra, voltou das terras britânicas, em 1894, com uma bola debaixo do braço e um conjunto de regras para o esporte como era praticado pelos súditos da rainha. (Como todo bom pernambucano, eu também sei que Pernambuco é o centro do mundo: lembro que há relatos de holandeses jogando bola em praias recifenses, já em 1870. Mas divago.) O jogo havia se profissionalizado na Inglaterra por volta de 1885 e, supõe-se (isso eu pesquisei), era oriundo de uma "brincadeira" praticada na Itália medieval, chamada gioco del cálcio, que consistia de duas equipes de 27 pessoas, uma pelota, muitos socos, pontapés e xingamentos, além de algumas mortes.

Foram alguns séculos que converteram essa prática bárbara em divertimento aristocrata, aura com a qual ele chegou a terras tupiniquins. Mas como ele passara de entretenimento de almofadinhas a amor e orgulho de nossa raça? Um pouco de pesquisa me levou ao escrito Mário Filho que, com o irmão Nelson Rodrigues, forma a dupla sagrada da crônica futebolística, Foi ele quem me explicou essa transformação e sugeriu a primeira resposta à famosa pergunta: o futebol nos domina – e nós o dominamos – porque nossa miscigenação nos preparou para tal. Gostamos tanto de futebol porque o praticamos como ninguém, e o fazemos porque nossos antepassados africanos desenvolveram uma cultura plena de danças e atividades lúdicas envolvendo pés, pernas e cintura. Eis a nossa ginga.

Em O negro no futebol brasileiro, de 1947, Mário Filho explica que, no começo, apenas os brancos bem-nascidos exerciam o esporte. Grupos extremamente elitizados dominavam os embates, começando pelos ingleses e descendentes de ingleses na primeira partida entre os paulistas The Gas Work Team, a companhia de gás, e The São Paulo Railway Team, a ferrovia. Dos trabalhadores ingleses, o costume passou para jovens da alta classe que criavam pequenos selecionados e o praticavam nos clubes privados.

Mas, se a elite imitava os ingleses, a plebe começou a imitar a elite. O costume começou a ser apropriado pelas camadas mais pobres. Lembra o escritor Antônio Risério, num artigo chamado Futebol:barroco-mestiço: "Moleques e malandros começavam a bater bola (...) onde quer que fosse possível. A simplicidade das regras (...) facilitava a popularização do novo esporte. E a bola podia ser feita com um maço de folhas de jornal enfiadas numa meia feminina, de jornal amarrado com barbante, ou, simplesmente, tomava-se uma laranja, uma abóbora, uma lata velha amassada ou uma chapinha de cerveja como se fosse a esfera mágica dos manuais". Iniciado em clubes aristocratas como o Fluminense Football Club, fundado em 1902, o futebol foi ganhando associações de caráter mais democrático, social e racialmente falando. O Bangu Athletic Club é o exemplo clássico da afirmação de que "o futebol brasileiro é uma das raras conquistas do povo brasileiro, que o tomou das mãos (e dos pés) das elites", emitida pelo jornalista e professor Leonel Kaz, curador do futuro Museu do Futebol, em São Paulo (estou lendo o seu livro, professor!). Fundado em 1904 pelos técnicos ingleses da fábrica de tecidos localizada no bairro de mesmo nome, o Bangu acabou vendo os britânicos serem aos poucos "dispensados" em favor dos operários de baixa renda, que se mostraram mais capacitados para rolar a bola.

Símbolo mesmo foi o Arthur Friedenreich. Filho de um alemão com uma negra, o mulato de olhos verdes aprendeu a jogar bola entre o clube freqüentado pelo pai e os campos improvisados perto da casa da mãe. Embora procurasse esconder sua inegável ascendência negra, espichando a duros golpes os cabelos crespos, ele deu aos seus contemporâneos e congêneres a possibilidade de se verem na pele de um artilheiro internacional, que marcou o gol da vitória da seleção brasileira no Sul-Americano de 1919, sobre o Uruguai, na casa dos adversários (que, diga-se passagem, praticavam a democracia racial desde os primórdios do seu futebol e eram bem melhores que nós, na época). Por tal proeza, recebeu o epíteto de El Tigre.

Em 1921, o então presidente Epitácio Pessoa "recomendou" que o Brasil não levasse jogadores negros à Argentina, onde se realizaria o Sul-Americano daquele ano. Era preciso, segundo ele, projetar no exterior uma "outra imagem" nossa, composta "pelo melhor de nossa sociedade". A cultura racista e elitista, que ainda se impunha no mundo futebolístico, levara, no ano anterior, o escritor Lima Barreto a fundar a Liga Contra o Futebol, no Rio. E foi nesse clima que, em 1923, comerciantes portugueses da capital carioca, empenhados em projetar o nome do Vasco da Gama, mantiveram, na primeira divisão do estado, um time composto de negros e brancos das classes mais baixas. Pois aquela "escória", cuja habilidade e improviso eram as principais armas ante os indignados e pasmados membros da elite que compunham as outras equipes, venceu o campeonato carioca daquele ano. Estava decretada a revolução, me dia Mário Filho em seu livro de quase 60 anos atrás. "Os clubes finos, de sociedade, como se dizia, estavam diante de um fato consumado. Não se ganhava campeonato só com times de brancos. Um time de brancos, mulatos e pretos era o campeão da cidade."

A partir daí, a saudável mistura começou a se impor no futebol brasileiro, embora clubes como os cariocas Fluminense, Botafogo e Flamengo, o paulista Palmeiras, o gaúcho Grêmio, o Atlético Mineiro, o Bahia e o Náutico, de Pernambuco, mantivessem a pose aristocrática e proibissem terminantemente a presença de negros vestindo as suas camisas ou freqüentando os corredores de suas sedes sociais.

Ainda segundo Mário Filho, todo esse medo de misturar as tintas causou alguns casos pitorescos – ou patéticos, como queiram. O mais conhecido deles é aquele que teria dado origem ao apelido hoje ostentado pelo Fluminense (atualmente defendido por jogadores de todas as cores, é bom ressaltar). Atleta do clube na segunda metade de 1910, o jogador Carlos Alberto tentava esconder da torcida que tinha não só um pé, mas cabeça, tronco e membros na África, disfarçando sua tez negra sob alguns quilos de maquiagem. Ora, apesar do El Niño, do efeito estufa e outras mazelas quetais, o Rio de Janeiro daquela época não era tão menos quente do que é hoje, e não eram precisos mais do que 30 minutos para que o disfarce do nosso herói lhe escorresse do rosto, junto com o seu suor, ao que os torcedores adversários, tão racistas quanto o time que enfrentavam, disparavam, à guisa de ofensa: "Pó-de-arroz! Pó-de-arroz". Bom, outros dizem que o apelido veio dos estojinhos de maquiagem portados pelas dondocas que acompanhavam o dia-a-dia do clube nos salões e tribunais. Eu fico com a explicação do Mário, muito mais interessante. Publique-se a lenda, pois.

O fato é que a lenta e gradual ascensão de negros e mestiços aos gramados foi, aos poucos, sendo copiada nas arquibancadas, onde as peles se tornavam cada vês mais morenas. Pois é. O futebol, minha senhora, meu senhor, cumpriu o prestimoso papel de superar discriminações sociais no país. Tudo bem que ainda soa um tanto forçado falar em harmonia de raças, como tanto queria o sociólogo Gilberto Freyre – que, aliás, é autor do prefácio do livro do Mário e compartilhador da tese de que o futebol superior vem do homem do povo. Mas já é mais do que suficiente para calar a boca daquele não iniciado que chega, pela milésima vez, com aquele papo enjoado de que "futebol é só um bando de homens correndo atrás de uma bola".

EMPOLGADO com a tese de que o futebol teria aqui encontrado berço esplêndido por causa da nossa peculiar mistura étnica, passei a devanear. Caiu-me nas mãos um artigo no cantor-ministro da Cultura, Gilberto Gil (torcedor do Bahia, pelo que eu sei), em que o baiano afirma que a popularização do futebol não se daria caso "os descendentes de escravos e índios não tivessem identificado na brincadeira semelhanças com a sua cultura". Interessante. Então, além do negro do Mário, tinha também o indígena na jogada? Enriqueceria o argumento o fato de os primeiros habitantes do país terem contribuído, com algum fator entranhado lá no seu código genético, para essa nossa habilidade inata e conseqüente paixão desenfreada. Mas, antes de escrever besteira, que tal consultar um especialista?

Foi em busca de corroboração para a tese que cheguei ao professor Paulo Santilli, antropólogo da Universidade Estadual Paulista (UNESP), especialista em etnologia indígena. Expus a idéia, e ele, como não poderia deixar de ser, desclassificou-a de imediato. "Não creio. Não há nada que eu conheça que se assemelhe ao futebol, entre brincadeiras, rituais. Nem mesmo entre lutas cerimoniais pode-se encontrar alguma semelhança", disse ele. Lembrei no entanto da prática do futebol, comum em comunidades indígenas, havendo até campeonatos entre elas. "Mas é exatamente o contrário. O modelo que eles usam é baseado no futebol como conhecemos hoje. É, na verdade, uma forma dessas comunidades participarem da vida nacional, sentirem-se parte de uma cultura nacional predominante."

Tudo bem, eu podia pelo menos me pegar com a tese de Mário Filho e Gilberto Freyre. O negro fez do nosso futebol o que ele é, e por isso que somos apaixonados por ele. Foi a vez do cientista político e pesquisador pernambucano Túlio Velho Barreto aparar minhas asas. A paixão pelo futebol tem vários motivos não simplistas. E quem foi que disse que é privilégio nosso a paixão pelo futebol? "Os britânicos – ingleses e escoceses, principalmente – são tão aficionados quanto nós, assim como italianos, argentinos, franceses e por aí vai. Dizer que 'o Brasil é o país do futebol' não é uma verdade absoluta. Não há quem me convença de que futebol esteja vinculado a uma paixão específica brasileira", disse ele. "Porém o Brasil tem uma especificidade que é a forma, o estilo do nosso futebol. Isso é um traço marcante, o chamado futebol-arte."

Tem de haver um motivo, no entanto, para que nós, como outros povos, tenhamos desenvolvido toda essa paixão, para que o associemos tão fortemente à nossa identidade cultural. "O futebol foi incorporado logo quando essa 'identidade' começou a ser construída", disse Barreto, "O Brasil é relativamente novo, e essa identidade começa a ser criada na década de 1930, quando Getúlio Vargas está empenhado em transformar o Brasil em nação. Particularmente, na Copa de 1938."

De fato. Antes de 1938, duas Copas já haviam sido disputadas. Na de 1930, no Uruguai, vexame. Brigas entre os dois principais centros futebolísticos brasileiros, São Paulo e Rio, levaram a um desempenho fraquíssimo do escrete tupiniquim, composto apenas de cariocas, ante a desistência dos paulistas. Voltamos de terras uruguaias desclassificados com apenas um jogo: uma derrota para os anfitriões. Em 1934, a situação não diferiu muito, desta vez pelo conflito entre os que defendiam a profissionalização do nosso futebol e os que a combatiam vigorosamente. Resultado? Somente um jogo e uma derrota para a Espanha. Já em 938, na França, aquele plano de Vargas de utilizar o futebol como fator de unidade nacional estava de vento em popa. O ditador comemorava o 1º de maio em estádios de futebol. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) seria assinada por ele em 1943, em São Januário, estádio do Vasco.

O Estado Novo incentivava o futebol e dele tirava louros. A filha de Getúlio, Alzira, era madrinha da equipe, e o governante se referia aos jogadores como defensores dos interesses do país. Eram "os ases patrícios", nos dizeres da Gazeta Esportiva do Rio. Uma série de vitórias (uma delas contra a Tchecoslováquia, por 2 a 1, fez Gilberto Freyre cunhar, no Diário de Pernambuco, a expressão "footbal mulato", que depois viria a se tornar o chamado futebol-arte) nos levou à semifinal contra a Itália, partida que perderíamos por 2 a 1 e que seria classificada pelo próprio Getúlio como "uma desgraça nacional".

"A política sempre usou o futebol", diz Túlio Velho Barreto. Acabou o Estado Novo, e a primeira Copa foi a de 1950 (a Segunda Guerra Mundial inviabilizou as de 1942 e 1946). E onde ela seria? Aqui. Caiu como uma luva para dar força ao discurso de união nacional. Em três anos, foi construído o maior estádio do mundo, o Maracanã, batizado de Mário Filho (ele mesmo), dando início a uma série de megaestádios construídos pelo poder público e espalhados pelo país. Os países europeus ainda estavam se recuperando dos estragos do conflito, o que fez com que apenas seis deles aportassem em terras brasileiras. Era a nossa vez, uma campanha nacional foi detonada por jornais e rádios, era chegada a hora de mostrar a superioridade brasileira naquele que era o seu terreno por merecimento: o campo de futebol. Depois de 22 jogos, estávamos na final, contra os vencedores da Copa de 1930. O empate era nosso. A imprensa brasileira enxergava os uruguaios como batidos, os jornais cariocas tinham as manchetes prontas. Era a nossa redenção. Faltava só combinar o plano com os visitantes.

Dez por cento da população do Rio de Janeiro lotava o Maracanã. Duzentas mil pessoas viram Gigghia colocar a bola longe do alcance de Barbosa, e adiar por mais oito anos o grito de campeão. Nunca se viu a nação tão arrasada, prostrada. Há quem diga que 1950 foi o nosso John F. Kennedy, nosso trauma coletivo, nossa tragédia particular.

Mas a derrota teve efeito contrário ao de amainar nosso vício. Ficamos unidos na desgraça, como uma família que perde um ente querido, um lambendo a ferida do outro. Como o bom torcedor aprende desde cedo, as vitórias nos fazem exultar, mas é na derrota que o amor a um time se solidifica e fortalece.

"O ano de 1958 encontrou o Brasil no auge do seu maior ciclo democrático, que duraria até 1964. Nós tínhamos um clima de desenvolvimento, de ufanismo, tínhamos grandes atuações em todos os esportes, tínhamos a bossa-nova, tínhamos os 'anos de ouro' e tínhamos Pelé", lembra Túlio. E foi assim, como a conclusão de uma seqüência lógica, que conquistamos a Suécia e a nossa primeira Copa do Mundo. Nós sabíamos o que era perder e agora sabíamos o que era ganhar, vício que prolongaríamos em 1962, no Chile, e levaríamos às barras da perfeição em 1970. Foi a primeira delas com transmissão ao vivo pela televisão, foi a época dos "noventa milhões em ação", em que o governo militar usou a canarinha, a mais perfeita máquina de ganhar e encantar, para esconder de si mesma uma nação que levava eletrochoques nos porões da ditadura. Também era o fim de uma época em que o amadorismo tinha lugar nesse esporte, e início do longo processo de profissionalização do jogador de futebol. A partir de então, enquanto o progresso marchava com botas de concreto sobre os cada vez mais rarefeitos campos de várzea, a nação acostumou-se com o dogma de fé de que o domingo só é corretamente aproveitado num estádio ou de frente para a televisão, vendo a bola rolar.

CERTO, TEMOS O ELEMENTO da ginga, que nos preparou para dar o passo da genialidade no futebol. Certo, temos uma longa tradição de governantes que usou a pelota para garantir popularidade, construindo estádios, subvencionando clubes. Certo, somos um país que aprendeu a se espelhar no que vinha da televisão, e a televisão, quase sempre a serviço daqueles governantes, nos disse que éramos o país do futebol. Mas é só isso? Fomos guiados a isso, como se o futebol, em si, não tivesse nada que pudesse atrair o nosso amor e atenção?

Acho que não. Faltava explicar o inexplicável, faltava explicar o sentimento de dentro de uma arquibancada. Aquilo que só quem vai sabe o que é. Voltei-me a Leonardo Guerreiro, colunista de esportes da Folha de Pernambuco. Afinal, Léo, por que o futebol? E não me venha com explicações de cunho historiográfico ou sociológico. "Porque o futebol reproduz, num ambiente fechado e controlado, as características de uma guerra. Quem vai ao estádio entra nessa catarse do combate simulado que é uma partida, assim se experimenta essa sensação que o homem experimenta há milênios, sem que ninguém precise matar ninguém", disse ele.

Catarse. O nome é bom, também utilizado pelo jornalista Armando Nogueira, ao afirmar que "a arquibancada do futebol é o divã da catarse nacional". Parece com o que dizia o escritor José Lins do Rego: "O futebol é, como o carnaval, um agente de confraternidade. Liga os homens no amor e no ódio. Faz com que eles gritem as mesmas palavras e admirem e exaltem os mesmos heróis. Quando me jogo numa arquibancada, nos apertões de um estádio cheio, ponho-me a observar, a ver, a escutar. E vejo e escuto o povo em plena criação".

Liguei para o escritor José Roberto Torero, ele haveria de me dar uma boa explicação. E deu. "Principalmente, por ser o mais surpreendente dos esportes. Talvez o mais injusto deles também. Noutros esportes, o imponderável não passa na catraca, a não ser em raríssimas ocasiões. No futebol, é uma constante. O timeco pode ganhar do time bicho-papão. Tem mais de dramaturgia, mais reviravoltas, mais lances inesperados", disse-me, assinando embaixo do lugar-comum da caixinha de surpresas. Nas palavras do jornalista Daniel Piza: "Porque é o que tem mais variáveis equacionadas em campo. São 22 jogadores lidando com os pés e tolhidos por regras diversas (nem todas eficientes) o que lhe dá maior imprevisibilidade e, logo, sabor artístico".

"Por que o futebol", caros amigos da RAIZ.? Porque é onde melhor convivem a estratégia e o inesperado, a competição e a arte, a guerra e a poesia. Ou simplesmente, como resumiu meu amigo Pedro Saldanha, também jornalista, "porque o futebol é a melhor coisa que existe". Porque era improvável. Porque ninguém adivinharia que seria ele. Porque Graciliano Ramos, num dia de 1921, escreveu que o "futebol não pega". E pegou.

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