domingo, 7 de maio de 2006

Mais um pouco da lucidez do Giorgetti na coluna deste domingo, no O Estado de S. Paulo

Mais uma história brasileira

Era uma vez um grupo de pessoas com muito dinheiro. Esse dinheiro não tinha uma proveniência muito clara, mas isso hoje em dia pouco importa.

Essas pessoas com dinheiro se associaram a outras pessoas, também com dinheiro, que dirigiam um grande clube do futebol brasileiro chamado Sport Club Corinthians Paulista.

Apesar de alguma resistência aqui e ali, algumas perguntas sempre mal respondidas sobre a tal origem do dinheiro, essa associação entre ricos progrediu.

Gastaram rios de dinheiro no time contratando a torto e a direito sem um critério muito compreensível. Tanto que vieram dois jogadores caros, Ricardinho e Roger, para a mesma posição.

Também não se importaram com o fato de Carlos Alberto, outro jogador caro, praticamente jogar na mesma posição de Tevez, esse realmente um jogador muito caro.

Esses são apenas dois exemplos, mas poderiam ser vários. A coisa assim mesmo foi seguindo, embora sempre com divergências internas que não tardara, a surgir entre os ricos.

Tudo, porém, era superado em nome do objetivo máximo: a conquista da inefável Libertadores da América, atualmente uma verdadeira obsessão de todos os clubes brasileiros.

Parte da imprensa evidentemente embarcou nessa cruzada pela Libertadores. Foi explorado à exaustão esse trauma corinthiano de não ter ganhado nenhuma Libertadores, que aliás não é trauma nenhum, porque o Corinthians é campeão paulista, brasileiro e até mundial.

Mas é conveniente encontrar esses traumas, esses tabus, que tornam os jogos mais apetitosos e mais perigosos.

Ouvi muito pouca gente advertir os torcedores do perigo que representava o jogo de quinta-feira, com o River Plate, jogando pelo empate.

Essa é tradicionalmente uma especialidade Argentina, coisa que foi praticamente ignorada. Ao contrário, preparou-se uma grande festa.
Os ricos então foram chegando ao Pacaembu com seus carrões e seus seguranças e imediatamente instalaram-se em seus confortáveis camarotes, enquando a massa de pobres ocupava o resto do estádio vigiada por outros pobres da Polícia Militar.

Daí aconteceu o que todos viram. As promessas não se cumpriram, a festa transformou-se em velório e logo em violência.

E sobrou pra quem? Para os pobres.

PMs de salários miseráveis tomavam porrada e desferiam porrada em outros torcedores desempregados, subempregados, também mal pagos. Todos vindos da mesma periferia, todos, ou a maioria, corinthianos, PMs e torcedores.

A sorte é que dentro da violência desenfreada os PMs mantiveram sua lucidez e com muito brio evitaram o pior.

Essa batalha entre despossuídos é a parte mais triste de tudo o que ocorrei. Porque os ricos, protegidos por seus seguranças, abandonaram o estádio ao primeiro sinal de problemas e se foram rapidamente, deixando desamparados até seus próprios jogadores, que festejavam poucas horas antes.

Ficou quem tinha que ficar. Apanhou quem no fim sempre apanha. Pouco importa se neste caso nenhuma das partes merecia apanhar, nem torcedores, nem PMs.

Foi enfim, mais uma história brasileira.


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