quinta-feira, 27 de abril de 2006

Até quando a derrota é bonita...

Sexta-feira, casamento do Rafão, salão de festas de uma bela mansão em Osasco. Depois da apresentação da Bateria dos Gaviões (presente meu e do Pantchinho, padrinhos da união), uma mesa em preto e branco. E onde só tem Gavião o assunto não poderia ser diferente: Corinthians. Até a filha do Pantchinho, no auge dos seus quatro anos, fez suas considerações.

- Corinthians e River na Argentina, quarta-feira. Quem vai?

Todos. Ninguém ali teve a coragem de dizer que não ia, mesmo com uma série de obstáculos pela frente.

- Não posso faltar no trabalho, mas embarco na quarta de manhã e volto quarta à noite. Minto para o patrão, digo que estou doente. Difícil é ele acreditar porque fico doente sempre que tem jogo do Corinthians...

- O meu problema é dinheiro, mas não to nem aí. Parcelo em 12 vezes no cartão, vendo meu dvd, máquina digital, qualquer coisa. Eu vou para Buenos Aires.

- Também tô ruim de grana, mas vou nem que eu tenha que sujar o nome. O meu, o da minha mãe, o do meu pai, dane-se.

- O duro são as crianças. Mas eu deixo elas na casa da avó ou elas vão junto. O que interessa é o Corinthians.

- E se o Corinthians for para o Japão, eu vendo meu carro. Minha casa. Moro na rua para o resto da vida. Mas vejo o Timão ser campeão do mundo.

E eu? E eu? Logo eu que escolhi ser jornalista e ganhar mal na vida. Tenho filho pequeno. Não conseguiria tirar férias a tempo. E só tenho uma bicicleta pra vender caso o Corinthians vá para o Japão.

- Eu também vou.

Efeito do vinho, da cerveja ou da tremenda paixão, na sexta-feira eu estava decidida a ir para Buenos Aires. O buffet nem tinha sido servido e os Gaviões já haviam ido embora do casamento, desesperados rumo à quadra para comprar as passagens via internet, já que pelo telefone estava complicado. Eu nem podia (e nem queria) abandonar o barco ali porque era madrinha do casamento e o Rafão é um grande amigo. Decidi comprar a passagem no dia seguinte.

Preciso registrar uma coisa: é bem ruim ter juízo nessas horas. No dia seguinte, quando a ressaca tinha passado e eu encontrei o Lucas cambaleando de febre pela casa, me dei conta de que seria impossível ver o jogo junto com os amigos nas arquibancadas do Monumental de Nuñez. Sem dinheiro, sem férias, sem carro, com uma bicicleta véia e um filho doente.

- Eu fico.

Ontem, no dia do jogo, acordei com um buraco no estômago, fruto de um nervosismo fora do comum que não me deixava prestar atenção em importantes reuniões no trabalho, nem redigir alguma coisa que prestasse. Lembram-se da úlcera Wendel? Pois bem.

Lucas continuava doente, tomando milhares de remédios com hora marcada e eu decidi ver o jogo em casa. Aliado a isso estava o fato de que aqui do lado (sim, eu tenho a infelicidade de morar do lado do Parque Antártica) seria realizada a partida entre São Paulo e Palmeiras, às 19h15, horário em que normalmente chego do serviço. Para completar, as duas torcidas (até quando?) combinavam de se matar.

Tem razão quem diz que só existem dois tipos de pessoas: os corinthianos e os anti-corinthianos. O jogo deles terminou empatado perto das 21h15 e foi possível vê-los correndo para a casa porque a partida que realmente interessava para todo mundo começava às 21h45.

Júlio, o melhor amigo, passou por aqui para assistir o jogo comigo e visitar o meu filho, quase um sobrinho pra ele. O Lucas já tinha dormido, cheio de febre, balbuciando que queria acordar para ver o Timão. É incrível como ele, também no auge dos seus quatro anos, desenvolveu uma paixão tão avassaladora pelo Corinthians que é capaz de ficar por duas horas com a orelha colada em um rádio. Por que será?

Na medida em que a novela ia terminando, a angústia ia tomando conta de mim e eu oscilava entre contar piadas infames descontroladamente e emudecer por mais de 20 minutos. Júlio eu competíamos para ver quem roia mais as unhas e continuava com os dedos, já que na minha casa não tem copos de plástico. Perdi.

Aí entrou o Galvão falando aquele monte de groselha (“O Corinthians é Brasiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiil”) e eu abstraí, admirada com a Fiel corinthiana que se amontoava em uma pequena parte do estádio. Cerca de 1000 pessoas foram para esse jogo e eu entendo cada uma delas, ao contrário de muita gente que prefere minimizar e dizer que é uma porção de desocupados. Não. Uma porção de apaixonados.

Apesar da marcação dura e do juiz ladrão (desta vez, Giorgetti, não era o imaginário popular. Era ladrão mesmo), o time correspondeu. Começou no maravilhoso gol de Carlitos, de encher os olhos e o peito de orgulho, mas a gente já sabia que ele jogaria pelo menos duas vezes mais do que ele joga em toda partida (e olha que isso é difícil). Principalmente depois de ler os jornais e ficarmos sabendo do carinho absurdo que os torcedores do Boca têm por ele. Todo corinthiano hoje também sabe o que é isso. Ou melhor, também sente o que é isso.

Ao marcar a bola no fundo da rede, Tevez saiu gritando, rugindo feito um leão, desabafando. Daqui eu não conseguia nem falar. Atirava o cachorro pra cima, abraçava o amigo, cumprimentava a gastrite. O gol foi o melhor antiácido que podia ter me sido receitado.

Mas não durou muito. O Coringão começou novamente a tropeçar nas próprias pernas e nos erros do juiz. Cartão vermelho negligenciado, gol legítimo anulado. Dá para ganhar assim? Daria. Nenhum torcedor perdeu a esperança durante um minuto sequer. Nem Xavier que entrou na partida marcando. Os 3 a 1 do River se transformaram em 3 a 2, deixando o Corinthians a uma vitória tranqüila da classificação para as quartas-de-final.

O jogo de volta é na próxima quinta, no Pacaembu e a cidade será pequena. Aliás, quando tem partida importante do Corinthians, São Paulo parece muito menor. Tudo é imediação do Pacaembu. Quando o jogo acabou, o Lucas já estava acordado há tempos, hipnotizado na frente da televisão, cheio de febre e constipado. “Dormir é para os fracos”, né, Luquinhas? Nem se importou com a derrota do Corinthians porque até perder pode ser bonito quando não se desistiu de ganhar. Bem diferente da última Libertadores em que fomos desclassificados pelo River, mas perdemos para nós mesmos.


Lá, no meio da confusão tática de Ademar Braga (que tem a minha simpatia), nos gritos e na luta de Carlitos, na cabeça de Xavier, na contradição do Mascherano, na disposição do Rubens Júnior, na força do Carlos Alberto e do Marcelo Mattos, e na esperança de toda uma nação deu para sentir que a Libertadores está muito além de ganhar ou não o título. É preciso conquistá-lo a cada partida. Envolver mãe, filho, cachorro, amigos. Fazer outros times jogarem pelo menos duas horas mais cedo e seus torcedores voltarem para casa correndo. Voar de avião ou se imaginar lá, em outro País. Viver um pouco de outro País. Se endividar, perder o juízo. Unir a cidade, transformar a maior metrópole do Brasil em um vilarejo. Sentir que o mundo é pequenininho para o Corinthians. Já valeu.

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