quinta-feira, 11 de maio de 2006

Um texto antigo da Natália Viana, jornalista da revista Caros Amigos, que participou das investigações sobre a parceria Corinthians/MSI.

Onde fica a Georgia?

Foi a primeira vez que acompanhei realmente de perto o trabalho da imprensa grande, quando começamos a investigar a parceira misteriosa do Corinthians com a MSI, no começo deste ano. E confesso que fiquei bastante surpresa com a maneira como são checadas as informações que vêm de fora, especialmente se ela vem de países distantes sobre os quais temos a mais vaga idéia.

Logo em janeiro, quando começamos, vieram à tona ligações do representante da MSI, Kia Joorabchian, com empresários da ex-URSS de nomes impronunciáveis que têm contra si pesadas acusações de ligações com a máfia russa. Países como Uzbequistão, Chechênia, Quirguistão, começaram a fazer parte do nosso dia-a-dia, da maneira mais rocambolesca: viciados na cobertura dos países centrais, o que ficou muito claro é que a nossa imprensa não tem nenhuma idéia de como são aqueles outros países, quais as transações comerciais que seus grandes empresários realizam, quais as ligações políticas que os cercam.

Um dos países que mais sofreu nas mãos da nossa imprensa foi a Geórgia. Dia desses, aparece que um tal de Zaza Toidze, georgiano, teria emprestado 2 milhões de dólares para a MSI sanar certas dívidas do Corinthians. A única informação em inglês na Internet sobre o tal Zaza Toidze dizia que ele teria feito parte do Comitê Central Eleitoral daquele país, donde se concluiu que ele seria ligado à política. Vai daí que um grande jornal de São Paulo publicou assim, e assim a notícia se espalhou – dezenas de jornais menores, do Brasil e do exterior, principalmente a Argentina, não titubearam em descrever o homem como um político da Geórgia, “mesmo país de onde é Badri Patarkishivili”, outro empresário bem conhecido de Kia e acusado de financiar a parceria para lavar dinheiro.

A história foi rodando, ficando maior e com mais cara de verdade, embora calçada sobre essa única evidência. Causou uma grita por aqui, e lá do outro lado do mundo, na Geórgia, a vida correndo igual, seis horas adiante, ninguém tinha a menor idéia do que se passava. Vai daí que, conversando com diversos jornalistas georgianos, a equipe de Caros Amigos deparou com uma informação inesperada. Ninguém jamais ouvira falar de um tal Zaza Toidze, embora por aqui ele já fosse tido como político notório de lá. Nem no próprio Comitê Eleitoral Central sabiam dizer quem era ele. Mais: três repórteres vasculharam o país, a pedido de Caros Amigos, e encontraram um único Zaza Toidze, em Tibilisi, capital da Geórgia, engenheiro da companhia telefônica que, assustado, pediu pelamordedeus que desfizéssemos o mal-entendido.


É bem verdade que é difícil encontrar por ali alguém que fale inglês, e é bem verdade que a pressa atrapalha muito, mas daí a tomar como certa uma informação no mínimo bem esquisita – quem me disse isso foram jornalistas do próprio país – é um pouco de desleixo demais.


Na busca de sempre cobrir com afinco só o que acontece na Europa e nos Estados Unidos, acabamos perdendo histórias fantásticas, como a desse pobre engenheiro acusado de envolvimento com um time de futebol do outro lado do mundo sem nem ter idéia disso, ou da chamada “revolução” por que passou a Geórgia no final de 2003, quando a população foi às ruas pedir a anulação das eleições parlamentares, acusadas de fraudulentas; ou da pequena Adjara, uma região autônoma dentro do país controlada por um milionário que, quando viu canceladas as eleições por fraude, destruiu a ponte que ligava a capital, Batumi, de 200 mil habitantes, ao resto de país; e de onde uma estressada jornalista, da minha idade provavelmente, me liga dia desses chateada: “está difícil concluir as investigações porque a cidade está sem energia, está tudo um caos.

Esse apagão acontece há mais de 12 anos por aqui e ninguém resolve o problema”. Dramas que para a gente parecem sem importância porque vêm de gente que não fala a nossa língua e nem dita as regras da economia mundial. Seria engraçado, não fosse trágico, ter que ouvir, em cada vez que ligávamos para a Embratel pedindo para chamarem um número na Geórgia:

– Geórgia, aquele estado nos Estados Unidos, né? Não?!? Tem certeza??


Só que o mundo não fala uma só língua, e principalmente o capital já venceu essa pequena barreira: a transação bancária já é feita de maneira quase tranqüila, quase banal no esquema globalizado; já a informação pena um tanto mais para chegar direito. Se a gente não der uma espiadinha no que está mais além da cortina que cerra nossa visão nos países que “dão certo”, com um tanto de improvisação e paciência, vai ser muito, muito difícil descobrir o que o dinheiro georgiano – ou russo –, faz por aqui e, provada sua origem ilegal, conseguir detê-lo. Pena para o nosso Corinthians.

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